quinta-feira, 3 de julho de 2014
A despedida - Artur da Távola
A despedida
Nunca se sabe onde está uma despedida. Até no afã do
até logo pode esconder-se um nunca mais. Na frase infeliz,
na simples conversa, algo pode estar morrendo, do amor ou da amizade.
Há despedidas que não são patentes. Não se lhes percebe
o estalo do afastamento, que pode estar no instante de mau humor,
na resposta infeliz, na alegria que não se repete ou na palavra que
deixamos de dar e receber. Às vezes, está na palavra que dizemos.
Nem sempre as pessoas se separam: esgarçam-se às vezes.
Viver esgarça. É algo que se afasta sem romper completamente.
Também no que esgarça pode haver despedida pois, embora não
haja perda de matéria, nunca mais será como antes.
Despedir-se é sutil, nem sempre aparece. Seres em mutação,
vivemos a mudar sem saber. Na mudança, transforma-se em
recordação o que antes era união e vontade, amizade ou convivência.
Tudo faz-se retrato, álbum, caderno, poema, carta, saudade ou memória.
A despedida não é por querer: acontece a despeito. Um simples "até já"
pode conter inimagináveis nuncas. Ou sempres.
Maravilhosa e cruel a vida! Tudo pode acontecer.
As ligações, salvo poucas, fazem-se precárias e falíveis.
Nosso destino é preso a acontecimentos semicontroláveis.
Ou impulsos, cansaços, e as discordâncias, são imprevisíveis.
E geram despedidas antes insuperáveis.
Ninguém sabe de quem se afastará. Nem quais as amizades
e amores de toda a vida, nada obstante existam. Raros captam
a dor que estala em cada hipótese de despedida. Separar-se contém
sempre a hipótese da despedida. Por isso, uma dor sempre se infiltra
em cada afastamento. Algo se assusta, escondido em tudo o que se separa.
Ainda que para ir ali pertinho e logo voltar.
Quem viaja ameaça a despedida. "Partir é morrer um pouco".
Dizem os franceses, e com razão. Ainda que para encontrar-se depois,
quem parte arrisca despedidas. Por isso, a emoção subjacente percorre-lhe
o mistério e a "região das certezas absolutas".
As grandes despedidas dão-se - contudo - sem que o percebamos.
As que sabemos e sofremos não são despedidas completas, pois a
saudade e a memória hão de trazer de volta o sentimento genuíno
que agora causa dor. As grandes despedidas infiltram-se no cotidiano
e nos atos corriqueiros de cada dia sem ser percebidas.
Muitos anos depois, vamos verificar que disfarçado em dia-a-dia ali
estavam e estalavam saudades antecipadas, vários nuncas dos quais
jamais suspeitamos. Nunca se sabe onde está uma despedida.
A não ser muito depois.
Artur da Távola
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