sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ARCOS - Octavio Paz



ARCOS
A Silvina Ocampo

Quem canta nas ourelas do papel?
De bruços, inclinado sobre o rio
de imagens, me vejo, lento e só,
ao longe de mim mesmo: 6 letras puras,
constelação de signos, incisões.
na carne do tempo, ó escritura,
risca na água!

Vou entre verdores
enlaçados, adentro transparências,
entre ilhas avanço pelo rio,
pelo rio feliz que se desliza
e não transcorre, liso pensamento.
Me afasto de mim mesmo, me detenho
sem deter-me nessa margem, sigo
rio abaixo, entre arcos de enlaçadas
imagens, o rio pensativo.

Sigo, me espero além, vou-me ao encontro,
rio feliz que enlaça e desenlaça
um momento de sol entre dois olmos,
sobre a polida pedra se demora
e se desprende de si mesmo e segue,
rio abaixo, ao encontro de si mesmo.

Octavio Paz
1947

(Trad. Haroldo de Campos)


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