domingo, 24 de agosto de 2014
Cão-de-rosa - Elizabeth Bishop
Cão-de-rosa
[Rio de Janeiro]
O sol é escaldante e o céu azul.
Guarda-chuvas vestem a praia de todos os matizes.
Nua, entre o passo ordinário e a corrida, você cruza a avenida.
Ó, nunca vi um cão tão nu!
Nu, cor-de-rosa, sem um único fio de cabelo cão-de-rosa…
Assustados, os passantes recuam e olham fixamente.
Claro que estão mortalmente com medo de raiva.
Você não está louco; é um caso de sarna
tem o olhar sagaz. Onde estão seus bebês?
(A mãe, feito enfermeira, com as tetas cheias, supensas)
Em que favela você os escondeu, puta pobre, cadela,
enquanto implora, vive de seus olhos e sagacidade?
Você não sabia? Saiu em todos os jornais o que fazem
para resolver esse tipo de problema; como você acha que lidam com os medigos?
Eles os seduzem como a iara e os jogam na maré cheia.
Sim, idiotas, paralíticos, parasitas
todos vão nadando no esgoto que flui nas periferias escuras.
Se fazem isso com quem implora, padece,
bêbedos e drogados e sóbrios, com as pernas tomadas pela gota e a cirrose
o que não fariam por um doente de quatro, cadelas?
Nos cafés, calçadas e esquinas
a piada é arengue com os mendigos
ao invés de dar esmolas, dão coletes salva-vidas.
Mas você, cão-de-rosa, não seria capaz
de remar com suas pernas ou mesmo boiar.
Veja, o prático, a sensível
solução é se mascarar.
Esta noite você não poderá se dar ao luxo de ser essa m-
erda monstruosa. Será única, cão-de-rosa mascarado fora de época.
Vem uma quarta de cinzas, mas aqui todo dia é carnaval, feriado nacional.
Você pode sambar? Como vai se fantasiar?
Todos dizem que o Carnaval é um festejo degenerado
- as rádios, os estadunidenses, essa gentinha
que arruina tudo o que é da gente. Mas é conversa fiada.
O Carnaval é sempre maravilhoso, redenção!
Contudo, um cão depilado, mesmo rosa, não fica bem.
Vá! se fantasie, se mascare e dance o Carnaval!
Elizabeth Bishop; Tradução de Nina Rizzi
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